
Em 1967, durante a sua estadia em Paris, Luís Cília gravou a canção “É preciso avisar toda a gente”, um poema de João Apolinário, jornalista exilado no Brasil. Como muitos outros artistas, ambos haviam fugido de Portugal, escapando à censura e à perseguição política do regime ditatorial do Estado Novo. Poema e música transmitiam o mesmo sentimento de urgência, a mesma necessidade de “sussurrar a palavra” sobre a tristeza, a morte e a dor causada pelo regime autoritário. Sete anos depois, na véspera do 25 de abril de 1974, duas outras canções transmitidas pela rádio deram o sinal para o início das operações militares que restauraram a democracia e desencadearam a Revolução dos Cravos.
Durante os 41 anos de Estado Novo, a música teve um papel essencial na construção da resistência cultural e na expressão da contestação política. Circulou amplamente entre grupos de oposição legais e ilegais, através de discos introduzidos clandestinamente no país ou de transmissões de rádio a partir de Argel ou Bucareste. Canções de protesto foram cantadas em reuniões clandestinas, greves e manifestações não autorizadas, comícios estudantis e dentro das prisões políticas do regime. Muitos dos autores destas canções encontravam-se exilados em França, destino de um intenso fluxo de migração política e económica (entre a década de 1950 e o fim do Estado Novo, cerca de um milhão de portugueses emigraram para França [Pereira 2012]).
Este repertório musical permanece fortemente ancorado na memória coletiva portuguesa e é regularmente cantado em comemorações oficiais e não oficiais da Revolução dos Cravos. No entanto, uma investigação aprofundada sobre a produção musical no contexto do exílio em França durante a ditadura encontra-se ainda por fazer.

Objetivo
O principal objetivo de EXIMUS é explorar o impacto da experiência do exílio na criação musical. O projeto está organizado em três linhas de pesquisa que abrangem o vasto período cronológico da ditadura: uma história etnográfica de percursos individuais; uma história cultural, social e política das práticas musicais; e uma análise da criação e produção musical.
Equipa de investigação
A equipa de investigação combina especialistas de diferentes domínios (musicologia, etnomusicologia, história política, social e cultural, estudos de teatro e cinema) e realizará um extenso levantamento de arquivos documentais em Portugal e em França, e de recolha de testemunhos orais de músicos e outros agentes envolvidos na produção musical no exílio.
Estudos de caso
Vários estudos de caso serão analisados, tendo em conta diferentes géneros e práticas musicais, desde o compositor comunista Fernando Lopes-Graça, exilado em Paris na década de 1930, até aos cantores de música popular ativos em França durante as décadas de 1960 e 70, associados sobretudo à esquerda radical (José Mário Branco, Sérgio Godinho, Tino Flores, entre muitos outros).